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A luz da tarde não te aquece porque não é tua. Não te toca, não te vê, e o quarto onde estás ainda é feito de escuridão e tristeza. As vidas lá fora não são tuas nem te roçam, ao de leve, se não com sons que não escutas. Teu é este abismo onde o tempo não corre e onde te queres deitar. Tua é esta divisão que não sonha nem vive porque não deixas, não queres, é um esconderijo à vista de todos. E, infelizmente para ti, tua és tu, que te arranhas e puxas na esperança de ficares aqui e de te perdoares. Os teus dedos já não tecem palavras que cheguem, já não espelham o que sentes nesse pedaço obscuro de ser que és. Não há perdão para ti, nem coberto com risos e canções e todos os finais de tarde que te esperarem. Já não sei onde foste, alegria. É em vão que te procuro e te estendo a mão, mas o céu azul só cospe indiferença e as janelas alheias inspiram solidão. Onde estás, alegria? Já te encontrei tantas vezes, mas foges e levas os meus sorrisos. Não vás novamente, preciso de ti. Preciso da força para me suster e dos suaves trejeitos com que tornas tudo mais fácil, nem que por uma instância leve que só me roça; mas está lá. Preciso de ti para me segurar à beira do abismo e lutar contra mim mesma, porque quero ficar cá em cima, mas se é mais calmo e silencioso lá em baixo… Não posso prender mais a mão que me segura, quando peso mais e mais até a única saída ser para baixo, para o fundo, para o nada.

há uma tragicidade cómica na música que repete e instrumentaliza a tua inconstância. há uma serenidade dorida nas palavras que te cantam e que atestam à tua loucura. há uma certeza esmorecida e firme que te toca por ser de uma irrealidade tão improvável, mas é a verdade leve que te aconchega. já sabes tudo e, contudo, nunca chega para apaziguar a tua inglória vontade de seres tu. a proximidade dói-te, a distância rasga-te, não há uma virtude no meio para consolo de martírios. sorri, alegria do hoje e sempre, deixa-te levar enquanto não estás só, não, isso não, a solidão fica por entre os peluches e as descargas de consciência. fica para ti quando choras (pouco, que de nada serve, não é?), para os momentos de quebra. fica para todas as horas que não conheces e que se cercam de quem não existe e nunca está mesmo lá. fica para os outros mas não, não é a mesma. diz-me, há mais razão que a que tens, ou a tua é a única verdadeira? que seja, é a única que interessa, nesse sustido egocentrismo de que te orgulhas e que te sofre. não sei se sim ou não, mas vale a pena sentir mais que nada se se sente também alegria em ser. mais que nada é alguma coisa, é ser, é ter é viver é sorrir e chorar e sentir. é tanto. a indiferença mata-te mas mata-la primeiro, bane-a e contenta-te com a melodia do final de tarde, que sempre chega e te deixa ser quase tu.

canção xii – do regresso (?)

Às vezes acho que a palavra “solidão” nasceu contigo.

Se não soubesse, dir-vos-ia irmãs. Durante anos nunca soubeste o seu nome, mas sentia-la no sal das tuas lágrimas e nos soluços que se contorciam no teu peito. Sentia-la nos peluches que apertavas sempre que lamentavas sem razão a tua sorte, ou nas horas em que te sentavas sozinha no quarto. Sabia-la nos livros que nunca te deixavam, na ponta das canetas e na sua tinta, mais ainda nas histórias em que te fazias protagonista. Sabia-la nas caminhadas, no percurso sabido que te levava a casa. Sabia-la nos abraços que te mitigavam a agitação da alma e te reduziam ao choro, sentia-la nas conversas que não conduziam a lugar algum. Percebia-la em todas as despedidas que sempre odiaste, na varanda que te afastava do quarto, na música de listas tristes ou alegres. Nas notas que cantas a caminho da rotina e do diferente, se não faz ele parte de um quotidiano vivido. Sabia-la nas mensagens que não vinham e nas que foram, nos chinelos gastos quando chegas a casa e na monotonia silenciosa do amanhecer. Percebia-la nas birras que fazias e nas que fazes, no teu egoísmo e no altruísmo. Sentia-la nas mentiras que, afinal, até sabes dizer, ou nas verdades que te esforças por contar. E sabia-la nas pessoas, porque é aí que ela cresce, com raízes fundas e espinhosas.

E começas a questionar-te; até que ponto te magoa, esticando a tua força? Cresces com ela, criança, se nunca soubeste crescer? Arrepanhada pelos cabelos, dolorosamente, até ganhares mais centímetros até à maturidade. Não compreendes os sentimentos e não sabes se os queres, ou se a quiçá familiar indolência vaga não é preferível, suave, mortífera e misericordiosa. E quando te chamarem não estarás aí, como talvez nunca tenhas estado.

canção xii – do ser e da sua possível irmã.

É um tanto inverosímil a tua atitude, tão disforme que não te percebo. Não te compreendo, como nunca compreendi, que rompantes são esses que te dão e, consoante assim és, deixas de o ser. Mais vale perderes tudo de uma vez, esquecendo as contradições que te condenam a uma inquieta sensação de involuntária extenuação da alma. O que descobres são apenas paliativos, e os dias mitigam-te os males com rarefeita satisfação. Males, que males? Aqueles de que padeces com tamanha auto-compaixão que te surges enamorada de ti, adoro-te, odeio-te, pois que queres, então, se não te decides?

Quando souberes diz-me! Não quero mais saber de teus opróbios, que te estropiam por dentro com o rancor da rejeição, mas se a culpa é tua, para que te queixas? Era para ser grito, morreu entalado entre a solidão e a companhia adormecida perto de ti. Morreu e não morreu, que o sentes de garras cravadas na garganta, corrompendo-te de mórbido tom o que julgas sentir. Se tivesses a certeza seria mais fácil, mas pensar sempre te trouxe a dor da consciência, sim, que mais vale a imersão no sonho. Dormirias para sempre que nem herói marcado pelo trágico destino de ser escrito, dormirias a sua dúvida se não a soubesses tu, mas perguntas-te se dormir é realmente mais que fechar os olhos e largar âncora dos pensamentos. Soubesses que não existiam os sonhos de inconsciente consciência, e escolherias o sono. Decidiste-te antes pelo despertar todas as manhãs, que te cansa mas que se torna menos difícil porque não estás como antes, não és como antes, e a música sempre te salva, obrigada.

Se te perderes nos caminhos que tomas e que te deixam isolada do mundo por ti mesma mas sem intenção, então lembra-te, não te é difícil, que agora é só nessas alturas que tens de aguentar e que se não estás alguma vez assim, as dores são mais difíceis de suportar. Talvez não estejas ainda em casa, mas um bocadinho de casa está agora contigo, aninhado contra ti. Que não te caiam agora os pilares que te sustêm, que não se desfaçam as tuas forças pelas fraquezas que sentes. Que, perdendo quem possas perder, porque nunca soubeste manter amigos e estás fadada a deixá-los ou a ser deixada, não te percas em ti em violento turbilhão a quem falta o céu.

canção xi – da pequena canção do ser.

Foi assim, foi um repente que te beijou e nem sabes o que lhe chamar. Que importa, realmente, se há-de escorrer? Mas escrever como escreves, agora, faltou-te, confessa, que eu bem sei. Conta-me, a que te sabem as viagens, aquelas que te embalam em tantos pensamentos que nem os contas, que te faltariam os dedos e para lá disso. Serenas de corpo com solavancos na alma (seja pois ela o que for!), preencher o tempo com o tempo é tarefa árdua e talvez morosa, por sinal, sinais que às vezes são mais que os que queres ou ousas revelar. E então o melhor é o teu cantinho, que cantinho, tão teu e recheado de solidão auto-induzida. Se lhe queres tocar, é uma distância tão justa quanto outra. Que te abala tanto nos teus alicerces desequilibrados? Tortos por natureza, torta és tu, idiota sem ideias que não compreende. Como o faria? O que já foi assalta-te à mão armada de memórias e deixa-te caída e prostrada dentro de ti, vendo o mundo por olhos embaciados e soluçados.

Roleta russa que te fazes, que emoção te vai sair hoje! Está chuva então, venha daí a regularidade plena que te sorri, sorri-lhe também! Ou então, pois que existem nuvens para cobrir o céu enquanto estás a mais e não vale a pena sentir, o melhor é excluíres-te, que hoje deixa de fazer sentido viver como se sim, valesse a pena. Imbecil, que todos os dias valem a pena, que cansaço, mas não estou cansada, estou com sono, é um cansaço diferente. Desgaste das peças que te engrenam a vida, que perdes todas as horas mais do que são esses momentos que deverias aproveitar. É crueldade, não é?, não crês?, sonhar assim sem esperar acordar ou a reminiscência no sonho do sonho, porque seria mais fácil despertar. Arrepios, que os pesadelos talvez existam para te mostrar que dormires para sempre (ou para o sempre deste dia) não é opção. Se acordar te custa, não é decerto o acordar de manhã para o silêncio que é tão teu, porque tu afastas, tu e apenas tu, com as tuas músicas ouvidas e cantadas, que interessa, a escolha é tua. E os tons do mundo por essas alturas, que te despertam uma melancolia que, por vezes, chega a consolar-te e a aquecer-te o peito dorido da respiração forçada.

Encontra ânimo, vamos! Contradizes-te tanto, pareces a “Mesma” e a “Outra” numa polaridade quase fascinante, fosse ela menos traumática para ti própria. Talvez seja assim para todos, pensas, então, enquanto te escapas, momentos breves, do egocentrismo (pudesse ele faltar!), mas então decides que se fosse assim para todos seria bem estranho e para estranho já chegas tu. Ou assim queres pensar.

canção x – do regresso atrasado do ser.

O mesmo que te faz sorrir é o que te desmancha, é a simultânea desventura de te veres e não te teres, de saberes que nunca há dias completos que não te construam e destruam. E que sozinha não passa o tempo, não envelheces e não tomas na boca o sabor da idade porque sem haver olhos que não os teus também não há espelhos. E para que precisarás tu desses reflexos que te são agridoces, porque são feitos da harmonia e da incongruência que encontras em ti mesma? Que perfeccionismo vago o de te veres através dos outros, ou nem é isso, é seres pelos outros aquilo que queres ser para ti, esse altruísmo que procuras em ti mesma mas que é diluído e impossível, apenas uma esperança única e derradeira que não se chega a concretizar, porque ganha sempre o lado humano do teu egoísmo.

É só o que te parece natural e real e perfeito, sem a aparência inconstante que pretendes desacreditar, crê nos outros e não em ti, em quem pensas primeiro? Talvez seja um novelo enleado aquilo que fazes, tudo ao mesmo tempo da mesma forma sem contrastes, se calhar és tu mas para ti és outra. Se és outra, contudo, por que não desculpar as tuas falhas que desculpas aos outros? A reposta é que os outros não são tu. A simplicidade de seres tu mesma é devastadora. Se não te agarrares, não consegues resistir a tamanha avalanche de sentidos. Os outros são o teu pequeno e mísero refúgio, mas é tão grande que te cobre e deixas de te sentir a ti mesma só.

E com isso sentes-te só, porque não consegues esclarecer-te e saber se o que fazes é por ti se por outrem, que confusão! Tarda aquilo que desejas, não sabes o que é, que treta de conversa a tua, cala-te, não te posso ouvir, os outros também já não devem poder, vês, lá estás tu, que disparate, deixa-te disso, vamos imaginar que não disseste nada, que és silenciosa como o silêncio com música de que gostas, talvez o silêncio da tua voz a cantar, tanto faz, não fales, não digas, se pensas guarda-o para ti, o que é teu é teu e não é dos outros. Mas será?

canção ix – do ser e do outro.

Efemérides, retratos daquele passado que não cansa, por que havia de cansar? As palavras são sempre as mesmas, mas contudo, já ficou para trás, já foi, agora é uma comichão entranhada que, ao sacudir, se desvanece, porque nunca foi realmente importante, de facto. Foi aquele passado que agora quase nem isso é, é memória e ténue impressão, resquício de vestígio de marca imbuída em recordações. Nem parecem tuas, essas vagas fotografias, talvez a tua vida tenha sido de outrém, talvez tu tenhas sido de outrem, tu que nunca soubeste bem quando ser e quando deixar de o fazer, tu que usaste tanta máscara que, entretanto, perdeste as metáforas e enrodilhaste-te nelas, sem bem o saberes. Que intrínseca maldicência de ti mesma, mas sabes melhor que isso, verdade, e portanto podes perdoar-te até restares tu como senhora e dona do mundo. Para que queres o mundo, quando não te governas a ti?

As flores da manhã enchem o ar de aroma suave que precede o estio, mas tu és da tarde, sempre da tarde, és um constante poente indignado que se espraia pela pele encarquilhada e envelhecida do tempo. E, contudo, em toda essa solidão da tarde que cai morosamente, há por vezes o sentimento amargo de não se ser nada em lado nenhum, em tempo algum. Noutras alturas, é-se tudo, e sempre e por todos. Que raridade, que pérola, sim, pérola, tesouros estimados, é isso que guardas, é a isso que chamas passado, é disso que te queres construir, mas acabas por ter de incluir o resto, o que te repugna, aquilo que queres repudiar e chamar de não-teu, de alheio, de inglório e impossível. Que contradição, queres apenas uma coisa mas acabas com as duas, as duas são uma, holístico todo e una unidade, falta-te o sentido do que pensas, porque não te encontras, vogas e quebras-te num labirinto infalível onde o minotauro és tu.

Quantos passados queres, afinal? Podes ficar com o teu, se te servir, mas será sempre o mais adulterado, subjectivo, torces sempre tudo à tua maneira e juntas-lhes os passados dos outros, só que os dos outros não são teus e portanto é falacioso o teu sentir para trás. Cheira a chuva e a sol ao mesmo tempo, o vento sopra como o rio corrente e a tua delicadeza nunca existiu, sem subtileza não chegarás à harmonia que ambicionas. Procura a felicidade por ti nos outros, vivendo como tu na amabilidade do alien, pois que é a comunhão que conduzirá à utopia de cada um; não uma ilha, antes uma rede infinita e inextrincável de relações de trocas de alegria. E esquece, se preciso, o passado, porque as saudades não são inúteis mas podem tornar torpes os sentimentos do hoje.

canção viii – do passado do ser.

Quero que seja uma canção, não um grito. Recuso as súplicas minhas, não as ouso sequer proferir porque são imerecidas e impremeditadas, mas premedito-as e retenho-as, não valem a pena. Sim, é uma canção, não um grito nem um chorrilho de pragas que desmancho sobre todas as imperfeições que conheço, tantas; oh, tantas. Não, é de uma previsibilidade surpreendente que, por ser previsível, não espanta. Antevê-se (claro, o futuro!) de forma subtil, falta a turbulência de fugas ao quotidiano que prende mas que é a indispensável estabilidade, criança adulta dentro do tempo.

Talvez seja mesmo isso, um outro eu dentro de mim. Reprimo-o com a facilidade manchada pela companhia, aquela que depende do ser do outro e do estado do mundo, ou do tempo, porque hoje chove! Sim, chove a transparência crida por todos mas amada por ninguém, tirando quem devora as tristezas alheias e as toma como suas, sem nunca, jamais, compreender os outros (talvez porque não se compreenda a si mesmo, mas quem o faz? E então todas as teorias perdem o significado, ora, nunca fazes sentido! Cuida-te). Não és assim, não queres ser assim, mas é o que acabas por ser, aquilo contra o qual tão traiçoeiramente lutas, negligenciando os palpites de outros e as tuas desventuras e aventuras, porque te esqueces sempre do que és tu e do que é alheio.

Que resquícios de individualidade perdes por ti, quando afinal és mais que uma e tens tantos humores quantos os tempos do tempo? És crítica severa a ti mesma, mordaz e aguçada, mas amas-te consoante o passar dos dias e as vaidades que te permites inconscientemente, vogando feita de mentiras e de nada. E falta-te aquilo, a boa disposição de que padeces, que talvez seja estultícia em forma de ti. Quero que isto seja uma canção, mas é ténue.

canção vii – da heteronímia do ser.

As estradas perdem-se todas por rumos que não conhecemos e que não vamos conhecer brevemente. Não vamos saber o que se estende para lá das linhas que partilhamos, das vidas que temos e que deixamos despojadas dos outros, esquece que viveste, esquece que sentes, esquece que sonhas e que há outros, não há mais ninguém, para quê preocupares-te? Que desprazer o de crescer sob inócuas preces, de todas as que disseste ainda nenhuma atingiu o alvo, nenhuma deixou mais que um rasto cansado que se desmanchou por ser tão ténue e não iluminar mais que tu mesmo. Que crueldade a de desviver tudo, a de ignorar os passados de encruzilhadas e seguir os trilhos cheios de nada e repletos de vazio. Se até o vazio é mais crente e menos desdenhoso da vida alheia!

Correm as solas desgastadas pelas pedras pela gravilha, rebola, rebola, resvala até ao horizonte que nunca mais chega, nunca mais lá chegas. Trocas os caminhos de relva e chuva pelos de alcatrão e sol dourado, as inesperadas decepções pelas ilusões amargas que nunca chegas mesmo a compreender. Que te direi mais que não queiras ouvir, se também não o quero dizer? Se sinto as palavras mais que perdidas, todas elas se foram e encalham na língua de mar, de oceano, de mundo, entre nós, afogam-se e ficam no fundo, esquecidas da memórias, escondidas do tempo e Ser.

Talvez já tenha ficado tudo para trás e o significado seja um sopro de lamparina a extinguir-se de vez, ou talvez apenas seja o fumo o que resta, o pavio apagado e o ar escuro manchado de nada. Tirem-me daqui, não quero perder-me na escuridão outra vez, na agonia que é o abandono, quero caminhar de novo à frente, e então nunca aconteceu nada, não vai acontecer, sou eu pelas luzes e demais metáforas. E depois não será a mim que a solidão engolirá, mas, cruel destino, não quererei saber do que me deixou de isco, não aconteceu mas eu recordo-me.

Não, não é dor, não é medo, não é tristeza, é apatia, abulia mais grave que a de que já padeço, fogem-me as decisões das mãos por minha mesma vontade. E tu, espectro de vontades que não são mais entidades próximas sequer das minhas, que já não roçam as canções que foram nossas em tempos.

canção vi – da troca de relações do alheio

E que agora lamentar quando não há nada para lamentar, porque já foi, deixou de ser, não será, creio eu. Já confirmei as teorias, não há regra sem excepção, eu sei, eis a excepção, por enquanto, por enquanto é excepção. Ficou tão para trás que agora é uma comichão incisiva, mas não lamento, não me arrependo, sim senhor Orgulho, claro senhor Orgulho, como viver os sete pecados sem os conhecer? Está tanto vento, não sei por onde começar.

You know, I used to live alone before I knew you.

E entretanto não ficou muito mais, porque agora já não é essa sintonia ambígua, não são os genes decididos à imberbe ignorância, agora é um resquício de um vestígio, um entrecruzar de significados; nenhum discurso quer dizer o que for, são todos ligados, todos um, todos juntos. Oh, que tarde é para estar a devanear, não é mais que tarde, pôr do meio-dia, encosta-se o sol aos cabelos e beija-os de brilho. Se ao menos fossem signos de convenções.

There was a time when you’d let me know
what is really going on below

E agora já não, que incoerência. Mais valia sermos desconhecidos levados pelo vento forte, ah! Antes fora isso, sim, antes o vento levasse os gritos e deixasse as canções. Não sei, não sei pois se isto é agora uma melodia ou uma praga, diz-me tu, ou dir-me-ias, se não fosses já tão ido, ido tal como o vento. O centro do universo está aqui e eu estou com ele, é do universo ou de mim, é do mesmo, eu sou o universo e o universo meu sou eu. Meu, mas que é mais relevante pois se não os espelhos de luzes apagadas que lançam farpas de sombras e recortam portas em que nunca toco, nunca posso tocar.

Maybe there’s a god above but all I’ve ever learnt from love
was how to shoot somebody who outdrew you

Eras tão próximo, à distância impalpável de um toque, tão perto que eu te tocava com a mente, com o bem e o mal, e agora não te sinto, não te vejo, não te oiço, talvez não estejas sequer aí. Derrubaram-se as cortinas velhas e remendadas e ergueram-se umas novas feitas de sonho, ou talvez ferro, não sei, não passo nenhum deles, nenhum é mais do que uma metáfora para o ser nada e o sentir nada. Não tentes ultrapassar-me naquele momento, nem neste, em nenhum, vou ser sempre mais, a verdade é essa, sempre essa, porque tu não és eu. Eu sou eu. E que mais? Não somos nós, pois não? Já não; eu sei, tu sabes, não tentamos já negar, não tentamos impingir palavras porque elas são preciosas, e a paciência também. Quem diria, que sensação a roçar o esplendor da noite — desmaiada. Toca o dia abafado e enublado — sem chuva. Toca o dessentir e a vontade de esquecer; vou ali banhar-me no Estige, já venho, ou talvez não, não me vou lembrar de ti. Quiçá não me lembrarei também de mim, não faz mal, já queria mudar, agora crio um novo eu, um ser diferente, porque é sempre bom ser diferente, não quero mais saber da moral e do sabor das estrelas. Gastei as convenções entre nós, não há nada em comum; a diferença é boa mas de diferenças só não se vive. Tomamos enfim caminhos diferentes — não lamento o passado, que amargurada seria esta nova eu, mas o passado é sempre um lar quando não foi mau, e há sempre uma ou duas tentativas de voltar a casa. Mas o tempo há-de curar mesmo isso (sim, porque é curar, não é, fechar uma saudade) e então              we might as well be strangers.

canção v – do final das relações.

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