You are currently browsing the monthly archive for Maio 2009.

Quero que seja uma canção, não um grito. Recuso as súplicas minhas, não as ouso sequer proferir porque são imerecidas e impremeditadas, mas premedito-as e retenho-as, não valem a pena. Sim, é uma canção, não um grito nem um chorrilho de pragas que desmancho sobre todas as imperfeições que conheço, tantas; oh, tantas. Não, é de uma previsibilidade surpreendente que, por ser previsível, não espanta. Antevê-se (claro, o futuro!) de forma subtil, falta a turbulência de fugas ao quotidiano que prende mas que é a indispensável estabilidade, criança adulta dentro do tempo.

Talvez seja mesmo isso, um outro eu dentro de mim. Reprimo-o com a facilidade manchada pela companhia, aquela que depende do ser do outro e do estado do mundo, ou do tempo, porque hoje chove! Sim, chove a transparência crida por todos mas amada por ninguém, tirando quem devora as tristezas alheias e as toma como suas, sem nunca, jamais, compreender os outros (talvez porque não se compreenda a si mesmo, mas quem o faz? E então todas as teorias perdem o significado, ora, nunca fazes sentido! Cuida-te). Não és assim, não queres ser assim, mas é o que acabas por ser, aquilo contra o qual tão traiçoeiramente lutas, negligenciando os palpites de outros e as tuas desventuras e aventuras, porque te esqueces sempre do que és tu e do que é alheio.

Que resquícios de individualidade perdes por ti, quando afinal és mais que uma e tens tantos humores quantos os tempos do tempo? És crítica severa a ti mesma, mordaz e aguçada, mas amas-te consoante o passar dos dias e as vaidades que te permites inconscientemente, vogando feita de mentiras e de nada. E falta-te aquilo, a boa disposição de que padeces, que talvez seja estultícia em forma de ti. Quero que isto seja uma canção, mas é ténue.

canção vii – da heteronímia do ser.

Não sabes bem o que fazer. Rasga-se-te o peito de tremores quando acordas a meio da noite, quase madrugada, não estás desperta e ainda tens os pés imersos no sonho, pesadelo, o que lhe quiseres chamar, e daí parece-te tão real que não vale a pena tentares evadir-te naqueles momentos, naquele centro de crenças efémeras ou talvez nem tanto. Desperta em ti um desejo aterrorizador de não chorar mas, ao mesmo tempo, de derramares as lágrimas, e ficas indecisa quanto ao que fazer. Que te faz falta algo tu sabes, mas o que é não consegues definir, ou preferes não o fazer, porque se o conseguires, bem, tens culpa, não é? Não queres ser culpada, não queres admitir que o te consola é tão efémero e imperfeito que não te basta para os momentos em que tornas dual, és tu mas és tão dupla que não te sabes definir, como nunca soubeste. Queres mas não queres, chorar, não chorar; o mundo é teu mas nunca foi, porque não o soubeste aceitar, não o soubeste desejar como era suposto desejares o mundo.

Na escuridão da antemanhã pretendes que não há nada para além da vida vazia que está entre o sonho e a realidade, o apagar das brasas e aclarar da mente; para ti a noite sempre foi mais assustadora. Não há nada mais que o espaço translúcido e ténue que compõe as trevas rasgadas de entranhas de luz que nunca chegam a germinar. Há no teu quarto um lugar que não é preenchido pela tua respiração e que, nas horas de sono, cheira a putrefacção imaculada e enfeitada de laços e renda. A companhia que resta nas noites é escassa e apenas aquece o corpo, não chega para consolar os sentidos ou sentir a tranquilidade da verdade que te atrofia tanto a razão.

Não me deixes. Que súplica inserena e amedrontada, dirijo-ta pois sei que talvez, quiçá, porventura, a oiças e me garantas mais uma vez que não, que nunca saíste de perto de mim, que há um fado traçado para nós e que é de justiça. Não quero dizer como me sinto, isso apenas agrava a marca que me atraiçoa. E se há uma pessoa a quem o orgulho me permite pedir ajuda, bem, já é tarde, o cansaço dos outros não corresponde ao meu, nunca é o mesmo, não é de bom tom importunar o alheio com o narciso, restam pois então ecos, que são estas palavras escritas.

grito v – das noites do ser

As estradas perdem-se todas por rumos que não conhecemos e que não vamos conhecer brevemente. Não vamos saber o que se estende para lá das linhas que partilhamos, das vidas que temos e que deixamos despojadas dos outros, esquece que viveste, esquece que sentes, esquece que sonhas e que há outros, não há mais ninguém, para quê preocupares-te? Que desprazer o de crescer sob inócuas preces, de todas as que disseste ainda nenhuma atingiu o alvo, nenhuma deixou mais que um rasto cansado que se desmanchou por ser tão ténue e não iluminar mais que tu mesmo. Que crueldade a de desviver tudo, a de ignorar os passados de encruzilhadas e seguir os trilhos cheios de nada e repletos de vazio. Se até o vazio é mais crente e menos desdenhoso da vida alheia!

Correm as solas desgastadas pelas pedras pela gravilha, rebola, rebola, resvala até ao horizonte que nunca mais chega, nunca mais lá chegas. Trocas os caminhos de relva e chuva pelos de alcatrão e sol dourado, as inesperadas decepções pelas ilusões amargas que nunca chegas mesmo a compreender. Que te direi mais que não queiras ouvir, se também não o quero dizer? Se sinto as palavras mais que perdidas, todas elas se foram e encalham na língua de mar, de oceano, de mundo, entre nós, afogam-se e ficam no fundo, esquecidas da memórias, escondidas do tempo e Ser.

Talvez já tenha ficado tudo para trás e o significado seja um sopro de lamparina a extinguir-se de vez, ou talvez apenas seja o fumo o que resta, o pavio apagado e o ar escuro manchado de nada. Tirem-me daqui, não quero perder-me na escuridão outra vez, na agonia que é o abandono, quero caminhar de novo à frente, e então nunca aconteceu nada, não vai acontecer, sou eu pelas luzes e demais metáforas. E depois não será a mim que a solidão engolirá, mas, cruel destino, não quererei saber do que me deixou de isco, não aconteceu mas eu recordo-me.

Não, não é dor, não é medo, não é tristeza, é apatia, abulia mais grave que a de que já padeço, fogem-me as decisões das mãos por minha mesma vontade. E tu, espectro de vontades que não são mais entidades próximas sequer das minhas, que já não roçam as canções que foram nossas em tempos.

canção vi – da troca de relações do alheio

E como sou preguiçosa, ver aqui.

Nunca passa o tempo como eu quero, que impaciência danada! Ouso fingir que sei tudo, não sei nada porque me restrinjo a mim e ao que me rodeia temporariamente. Se é só que estou, pois seja só que me sinto, nem sempre, nem sempre, bem o sei. Mas agora não sei se é das dores que me falta a companhia, mas sinto que todos têm alguém ao lado menos eu. Estupidez, por que estás agora a ser desconfiada, não chores, se não te ligam é então culpa tua, que mais queres? Consolo? Se calhar até é, mas que te servem palavras para te acalmar o sofrimento? O físico nem com medicamentos vai, o outro não to aplaca o coração, vil. Não sei de onde vem, estás bem, estavas bem, já te foste agora e resta-te tudo, resta-te o quarto vazio com os peluches desenhados a pó e as cores delineadas a nada, a música não te preenche porque falta lá alguma coisa, não sabes bem o que é. Até sabes, confessa, nem que seja a ti.

Tentas pedir ajuda e só te saem lamentos, que lamentos vãos, não vale a pena proferi-los, cala-te já! Não te quero mais ouvir! Não me contes todas as vezes que te saqueaste em busca de ouro, não há nada em ti de valioso. Neste momento é como se já tivesses caído, outra vez. Ou ainda não? Tentas levantar-te, de novo, outra vez, este mundo espera por ti. Seria bom que alguém neste momento te quebrasse a barreira de egocentrismo. Não sei se vale sequer a pena tentar compreender-te para te mudar. Já passou o tempo de mudança para ti, coisa ignóbil, deixa o inexorável levar-te para onde não alcances o dia ou a noite, remete-te para o ciclo das estações como se nunca houvesse mais que a má-hora em que sentes, se sentes é má.

Se escrever é assim tão difícil, canta-me. Canta, nunca tiveste vergonha de cantar, ainda para mais ao fim de tarde, quando o sol se põe e não há ninguém para te ouvir se não tu. Canta, canta contigo, nem que seja para ti, para não estares só no quarto vazio num dia vazio numa despedida vazia, para fingir que nunca conheceste as dores e para te certificares que as que sentes são tuas, que passam, que afinal nunca sofreste deveras, quiçá não saibas o que são mágoas. Mas lembras-te de vezes em que te explodia o coração. Não foram muitas, contudo. Ainda bem. Se continuares assim serás capaz de não passar por isto outra vez. Oh, que digo eu? Disparates. Passar pelo mesmo duas vezes é impossível, nunca passa o tempo duas vezes. Ou talvez passa demasiadas. Não sei, quero dizer tanto mas nunca sei o que dizer, é como se me encaramelassem as palavras e os sentidos na boca. Não posso ser sempre capaz de dizer o que penso, certo, mas posso tentar. Só que no momento nem são só as palavras, é o cérebro, a alma, o corpo, enrola-se tudo e perco-me em significados que não são os que almejo. Quanto de mal fará isso ao sentir que sou capaz de conquistar o mundo só com pensamentos, com um olhar através da janela com as persianas corridas pelo meio, com as árvores a bambolear-se e a perder-se na distância dos olhares indiscretos como são todos? Não espero contar tudo, mas queria contar ao menos o que penso que é relevante, ora, mas nem isso, como os textos se tolhem debaixo dos pés, tropeçam eles, caio eu, somos novelos perdidos no ruído de fundo que é o mundo. Não sei como me sentir.

Quando fizeres sentido avisa.

grito iv – das dores do ser.

calendário

Maio 2009
S T Q Q S S D
 123
45678910
11121314151617
18192021222324
25262728293031

vozes d’alma